* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

DEFICIÊNCIA: O QUE HÁ DE COMUM EM NÓS



Dados internacionais dão conta que cerca de 10% da população mundial vive com algum tipo de deficiência. Desses, 80% estão em países em desenvolvimento. O dados do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que, em 2000, 14,5% da população brasileira declarou possuir uma ou mais deficiência. Em 2010, esse número subiu para 23,9% da população. Será possível que, em apenas 10 anos, o número de pessoas deficientes no país tenha praticamente dobrado? Para compreender melhor o que esses dados significam, é preciso entender a forma como foram coletados. 

De fato, esses números refletem mais uma mudança conceitual e metodológica, do que um aumento real de pessoas deficientes. Assistimos, nas últimas décadas, a uma reelaboração do conceito de deficiência, que se desloca de categorias estritamente médicas, para uma compreensão que inclui a influência de fatores sociais e ambientais sobre as limitações experimentadas pela pessoa deficiente. A forma de investigação censitária sobre a deficiência passa por modificações constantes, buscando se adequar à evolução deste conceito. Por esse motivo, o próprio documento do IBGE alerta para a impossibilidade de se realizar comparações diretas entre os levantamentos realizados em diferentes censos. 

No Censo Demográfico de 2010, foi privilegiada a percepção da população sobre sua dificuldade em enxergar, ouvir e locomover-se, como forma de identificar a deficiência visual, auditiva e motora. As perguntas foram formuladas a partir de estudos conjuntos entre o IBGE e demais países do Mercosul, com base em questões propostas pelo Grupo de Washington sobre Estatísticas das Pessoas com Deficiência (Washington Group on Disability Statistics - GW). Essa parceria teve como objetivo principal criar um banco de dados uniformizado, que permita a comparação entre as estatísticas de todos os países do grupo. 

A partir da formulação básica: “Tem dificuldade permanente de...?”, os informantes foram questionados sobre as limitações e dificuldades percebidas no seu cotidiano. Podemos supor que essa metodologia tenha favorecido a identificação de deficientes antes não detectados pelo censo, contribuindo para o aumento expressivo nessa porcentagem, entre 2000 e 2010. 

Outro fator que influencia bastante no número de pessoas que declaram ter uma ou mais deficiências é o envelhecimento da população brasileira. A porcentagem de pessoas deficientes aumenta de forma significativa com o aumento da faixa etária, sendo de 7,5% para pessoas entre 0 e 14 anos; 24,9% para pessoas entre 15 e 64 anos; e 67,7% para pessoas com 65 anos ou mais. Com o aumento da longevidade e do número de pessoas com mais de 65 anos, a tendência é que haja também um aumento no número de pessoas com deficiência. Isso também pode explicar a maior porcentagem de mulheres deficientes (26,5%) do que de homens (21,2%), uma vez que as mulheres têm uma expectativa de vida maior. 

Há algo muito importante que podemos extrair dos dados do Censo 2010. Penso que eles nos mostram que a deficiência não é algo distante, ocasional, ou mesmo trágico, que diz respeito a uma pequena parcela da população, mas sim uma condição que faz parte da vida, que nos toca ou tocará a todos em algum momento da nossa existência, de diferentes maneiras. Essa constatação deveria servir para diminuir a distância entre deficientes e não-deficientes, ressaltando o que há de comum em nós. 

Fonte: IBGE (2010). Censo demográfico 2010 – Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência.