* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

sábado, 30 de janeiro de 2016

1001 JEITOS DE SER SURDO

Discute-se bastante sobre as diferenças entre surdos e ouvintes. Isso é importante, sem dúvida, para que as necessidades de cada um desses grupos sejam atendidas e seus direitos, respeitados. Pois bem, é preciso também falarmos sobre as diferenças entre surdos e surdos, ou seja, chamar atenção para a enorme variedade de pessoas diferentes que se agrupam sob o termo surdo. Cada vez mais, dizer que alguém é surdo nos diz menos sobre quem é essa pessoa. 

Pra começo de conversa, há surdos pré-linguais e pós-linguais, como já trouxemos aqui; há surdos uni-laterais e bilaterais; há os que tenham surdez leve, moderada, severa ou profunda; há surdos que falam, falam muito, sejam implantados ou não; há surdos sinalizadores, ou seja, usuários de línguas de sinais; há surdos bilíngues, ou mesmo poliglotas; há surdos que leem e escrevem, há surdos que não; há surdos que são os únicos em suas famílias e há famílias em que a surdez é um traço de pertencimento; há surdos temporários e há surdos permanentes; há surdos que também são cegos... e há, ainda, todas as combinações possíveis entre esses e outros aspectos. Cada uma dessas pessoas tem características auditivas e de linguagem próprias, que vão marcar sua relação com o mundo. Mas isso não é tudo. 

Além desses, inúmeros outros aspectos identitários se agregam para definir quem somos, ou, pelo menos, quem estamos. É certo que ser ou estar surdo, de qualquer forma que seja, tem um efeito sobre a vida das pessoas e daqueles que as rodeiam. Não se pode menosprezar a importância e interferência que a experiência da surdez, em um contexto majoritariamente ouvinte, exerce sobre o cotidiano de cada surdo. Porém,  ninguém e apenas surdo. Todos são também mulheres ou homens ou têm outra identidade de gênero; alguns são crianças, outros estão velhos; todos têm ou terão uma orientação sexual, tenha ela uma definição ou não; todos têm uma nacionalidade e alguns têm mesmo mais de uma; muitos têm uma religião, outros têm suas crenças, mesmo sem se identificar a um grupo religioso específico; muitos são Bahia, outros são Vitória; são estudantes, trabalhadores, desempregados, gostam de dançar, sabem nadar, adoram gatos, têm medo de avião... 

Foi-se o tempo em que um diagnóstico de surdez definia um futuro único, predeterminado e limitado. Porém, a bem vinda liberdade que isso possibilita traz também um grande desafio, que é equalizar, tanto nas políticas públicas quantos em nossas práticas cotidianas, a aparente contradição entre o reconhecimento da diversidade e a certeza de que todos somos iguais, ainda que diferentes.