* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

DESIGN UNIVERSAL, PRODUTOS E SERVIÇOS USÁVEIS POR TODXS

O termo Design Universal, ou Desenho Universal, foi empregado pela primeira vez nos anos 1970 por Ronald Mace, fundador do The Center for Universal Design, nos EUA. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) define o Desenho Universal como: “concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva”.

Tradicionalmente, o Design se orientava pelas medidas consideradas ideias, ou seja, assumindo um ser humano médio como padrão para o desenvolvimento de produtos. O que vemos, contudo, é que esse padrão corresponde a um número cada vez menor de pessoas. O Design Universal se baseia na compreensão da necessidade de alargar ao máximo esse usuário padrão, de modo que os produtos possam atender com equidade e eficiência ao maior número possível de pessoas.

O desenho universal é uma ferramenta muito importante para a construção de um mundo cada vez mais inclusivo, uma vez que os produtos, ambientes e serviços devem ser pensados para o uso em diferentes situações, com múltiplas funções e por usuários com habilidades diversas. O Design Universal é norteado por sete princípios básicos:

USO EQUITATIVO: permitir igual acesso, sempre que possível,  independente da habilidade do usuário;

FLEXIBILIDADE DE USO: oferecer métodos variados de utilização, adaptáveis ao ritmo e precisão do usuário;

USO INTUITIVO: favorecer a compreensão do design, independente da experiência do usuário, conhecimento prévio, competência linguística ou concentração;

INFORMAÇÃO PERCEPTÍVEL: utilizar diferentes meios de apresentação (pictórico, verbal, tátil), permitindo o acesso às informações por pessoas com limitações sensoriais;

TOLERÂNCIA AO ERRO: atenuar os riscos e consequências adversas decorrentes de ações acidentais ou involuntárias;

BAIXO ESFORÇO FÍSICO: funcionar de forma confortável, com o mínimo de fadiga, eliminando ações repetitivas e esforço físico excessivo;

TAMANHO E ESPAÇO PARA ACESSO E USO: fornecer uma visão clara de elementos importantes e acesso a todos os elementos, independentemente do usuário estar sentado ou em pé ou dependa de ferramentas de auxílio pessoal, como cadeira de rodas.


Fonte: http://livingdesign.com.br/2015/08/desenho-universal-um-design-de-conceito-simples-mas-que-e-vital/


Os princípios do Design Universal extrapolam as preocupações com a usabilidade. Designers que se alinham a essa ideia, devem levar em conta, no seu processo de criação, questões econômicas, de engenharia, culturais, de gênero e preocupações ambientais, ou seja, assumir um compromisso social com a melhoria da qualidade de vida de todxs. Como sociedade, nos cabe cobrar de empresas e profissionais produtos, ambientes e serviços mais acessíveis e democráticos e valorizar aqueles que já prezam por esses princípios.

Fontes: 

BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF. 06 jul. 2015.


NC State University, The Center for Universal Design. THE PRINCIPLES OF UNIVERSAL DESIGN. 1997 Disponível em: https: //www.ncsu.edu/ncsu/design/cud/about_ud/udprinciplestext.htm Acessado em 11 de outubro de 2016.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

DEFICIÊNCIA: O QUE HÁ DE DIFERENTE EM NÓS



No texto anterior discutimos sobre o quanto os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, nos mostram que é pequena a distância entre pessoas com e sem deficiência. Porém é muito importante também falarmos sobre as diferenças que ainda persistem. Tomando o mesmo censo, de 2010, vejamos apenas um dos aspectos analisados: o acesso à educação. Para fins censitários, o acesso à educação é composto por três parâmetros: a taxa de alfabetização, a taxa de escolarização e o nível de instrução. Para interpretarmos as estatísticas, é importante compreendermos como são medidas cada uma dessas taxas. 

Ainda que analfabetismo seja definido pelo IBGE como incapacidade de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece, a estatística é obtida pela resposta à pergunta “Sabe ler e escrever?”, sem referência clara ao nível de leitura considerado. Além disso, por limitações metodológicas, as estatísticas tratam analfabetismo e alfabetismo como variáveis discretas e dicotômicas, o que não corresponde à realidade. Isto posto, temos que a taxa de alfabetização da população sem nenhum tipo de deficiência declarada, para pessoas de 05 anos ou mais, é de 92,1%. Porém, para a população dessa mesma faixa etária com pelo menos uma das deficiências investigadas, essa taxa se reduz para 81,7%. A Região Sudeste apresentou a maior taxa de alfabetização das pessoas com pelo menos uma deficiência (88,2%), e a Região Nordeste, a menor (69,7%). 

No que diz respeito à taxa de escolarização, este conceito se baseia na lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que estabelece duração de nove anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 anos de idade. Portanto, a taxa de escolarização é obtida a partir do número de pessoas entre 6 a 14 anos que estão matriculadas na escola, no momento da pesquisa. Para a população geral, essa taxa é de 96,9%, enquanto que, para as crianças e jovens com pelo menos uma das deficiências investigadas, cai para 95,1%. Embora a diferença seja relativamente pequena, de 1,8 pontos percentuais, é importante ressaltar que esse dado não nos informa nada sobre a qualidade da educação escolar oferecida. Os relatos de alunos com deficiência que frequentam a escola sem que nenhum tipo de projeto inclusivo seja posto em prática são abundantes. 

Quanto ao nível de instrução, ou seja, a série mais elevada em curso ou já cursada, há diferenças significativas entre as pessoas com pelo menos uma das deficiências investigadas e aquelas sem deficiência alguma. Enquanto 61,1% da população de 15 anos ou mais com deficiência não tem instrução ou possui apenas o fundamental incompleto, para a população sem deficiência, esse percentual é de 38,2%, cravando uma diferença de 22,9 pontos percentuais. Com relação ao ensino médio completo e o superior incompleto, o percentual da população de 15 anos ou mais com deficiência foi de 17,7% contra 29,7% para as pessoas sem deficiência. A menor diferença está no ensino superior completo: 6,7% para a população de 15 anos ou mais com deficiência e 10,4% para a população sem deficiência. No entanto, é fundamental lembrar que uma parte significativa das deficiências é adquirida ao longo da vida, especialmente pelo processo natural de envelhecimento. Portanto, podemos supor que muitas dessas pessoas não tenham sido alunos com deficiência. 

Apesar das ressalvas, essas informações nos mostram o quanto ainda precisa ser feito acerca da inclusão escolar de pessoas deficientes. No entanto, as ações e políticas devem ultrapassar pretensões quantitativas, como as avaliadas pelas estatísticas, buscando uma educação inclusiva que prime pela qualidade. 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

DEFICIÊNCIA: O QUE HÁ DE COMUM EM NÓS



Dados internacionais dão conta que cerca de 10% da população mundial vive com algum tipo de deficiência. Desses, 80% estão em países em desenvolvimento. O dados do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que, em 2000, 14,5% da população brasileira declarou possuir uma ou mais deficiência. Em 2010, esse número subiu para 23,9% da população. Será possível que, em apenas 10 anos, o número de pessoas deficientes no país tenha praticamente dobrado? Para compreender melhor o que esses dados significam, é preciso entender a forma como foram coletados. 

De fato, esses números refletem mais uma mudança conceitual e metodológica, do que um aumento real de pessoas deficientes. Assistimos, nas últimas décadas, a uma reelaboração do conceito de deficiência, que se desloca de categorias estritamente médicas, para uma compreensão que inclui a influência de fatores sociais e ambientais sobre as limitações experimentadas pela pessoa deficiente. A forma de investigação censitária sobre a deficiência passa por modificações constantes, buscando se adequar à evolução deste conceito. Por esse motivo, o próprio documento do IBGE alerta para a impossibilidade de se realizar comparações diretas entre os levantamentos realizados em diferentes censos. 

No Censo Demográfico de 2010, foi privilegiada a percepção da população sobre sua dificuldade em enxergar, ouvir e locomover-se, como forma de identificar a deficiência visual, auditiva e motora. As perguntas foram formuladas a partir de estudos conjuntos entre o IBGE e demais países do Mercosul, com base em questões propostas pelo Grupo de Washington sobre Estatísticas das Pessoas com Deficiência (Washington Group on Disability Statistics - GW). Essa parceria teve como objetivo principal criar um banco de dados uniformizado, que permita a comparação entre as estatísticas de todos os países do grupo. 

A partir da formulação básica: “Tem dificuldade permanente de...?”, os informantes foram questionados sobre as limitações e dificuldades percebidas no seu cotidiano. Podemos supor que essa metodologia tenha favorecido a identificação de deficientes antes não detectados pelo censo, contribuindo para o aumento expressivo nessa porcentagem, entre 2000 e 2010. 

Outro fator que influencia bastante no número de pessoas que declaram ter uma ou mais deficiências é o envelhecimento da população brasileira. A porcentagem de pessoas deficientes aumenta de forma significativa com o aumento da faixa etária, sendo de 7,5% para pessoas entre 0 e 14 anos; 24,9% para pessoas entre 15 e 64 anos; e 67,7% para pessoas com 65 anos ou mais. Com o aumento da longevidade e do número de pessoas com mais de 65 anos, a tendência é que haja também um aumento no número de pessoas com deficiência. Isso também pode explicar a maior porcentagem de mulheres deficientes (26,5%) do que de homens (21,2%), uma vez que as mulheres têm uma expectativa de vida maior. 

Há algo muito importante que podemos extrair dos dados do Censo 2010. Penso que eles nos mostram que a deficiência não é algo distante, ocasional, ou mesmo trágico, que diz respeito a uma pequena parcela da população, mas sim uma condição que faz parte da vida, que nos toca ou tocará a todos em algum momento da nossa existência, de diferentes maneiras. Essa constatação deveria servir para diminuir a distância entre deficientes e não-deficientes, ressaltando o que há de comum em nós. 

Fonte: IBGE (2010). Censo demográfico 2010 – Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

VAI TER ACESSIBILIDADE, VAI TER VOTO, VAI TER CIDADANIA

Fonte da imagem (modificada): http://www.tre-go.jus.br/

Em outubro desse ano acontecem, em todo o país, as eleições para prefeito, vice-prefeito e vereador. Prefeit@s e vereador@* são responsáveis por organizar e melhorar a vida nas suas cidades. Aspectos como transporte coletivo, limpeza urbana, políticas de saúde, de educação básica e de habitação, além da tomada de decisões sobre como empregar o orçamento municipal, entre outras coisas, fazem parte das funções de prefeit@s e vereador@s, no âmbito executivo e legislativo, respectivamente. 

As ações d@s prefeit@s e vereador@s afetam diretamente o dia a dia dos cidadãos e cidadãs e a qualidade de vida nas cidades. Conhecer @s candidat@s, suas propostas e história é fundamental para fazer uma escolha consciente e condizente com os valores e aspirações de cada um de nós. A propaganda eleitoral é uma das formas pelas quais podemos acessar essas informações. É imprescindível, portanto, que o conteúdo das propagandas sejam acessíveis a tod@s. 

A Resolução no. 23.457 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições de 2016, determina, no Capítulo VII, Artigo 36, parágrafo 4º, que “A propaganda eleitoral gratuita na televisão deverá utilizar, entre outros recursos, subtitulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete da Libras e audiodescrição (Lei nº 13.146/2015, arts. 67 e 76, § 1º, inciso III).” No caso de debates promovidos por emissoras de televisão ou outros veículos, os mesmos recursos devem ser garantidos pela entidade promotora.

A Lei nº 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência, possui um capítulo (Capítulo IV do Título III) que trata do direito à participação do deficiente na vida pública e política. Vejamos o que ele diz a respeito do direito a votar e a ser votado:
Art. 76.  O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1o  À pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada, inclusive por meio das seguintes ações:
I - garantia de que os procedimentos, as instalações, os materiais e os equipamentos para votação sejam apropriados, acessíveis a todas as pessoas e de fácil compreensão e uso, sendo vedada a instalação de seções eleitorais exclusivas para a pessoa com deficiência;
II - incentivo à pessoa com deficiência a candidatar-se e a desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, inclusive por meio do uso de novas tecnologias assistivas, quando apropriado;
III - garantia de que os pronunciamentos oficiais, a propaganda eleitoral obrigatória e os debates transmitidos pelas emissoras de televisão possuam, pelo menos, os recursos elencados no art. 67 desta Lei (subtitulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete da Libras, audiodescrição).
IV - garantia do livre exercício do direito ao voto e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por pessoa de sua escolha.

O voto nos torna tod@s iguais, porque cada voto tem exatamente o mesmo valor. Portanto, observe se @ candidat@ está cumprindo com a legislação e garantindo a acessibilidade. Caso contrário, denuncie, proteste. Além de nos informar sobre sua relação com a lei, o cumprimento dessas regras é uma dica sobre o quanto @ candidat@ valoriza a participação política de todos e todas. Vai ter acessibilidade. Vai ter voto. Vai ter cidadania.

*O símbolo @ foi utilizado pra marcar a multiplicidade de gêneros.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

MARIE HUERTIN E O UNIVERSO DA SURDOCEGUEIRA

No dia 27 de junho é comemorado o Dia Internacional da Pessoa Surdocega. Essa data foi escolhida porque nesse dia, em 1880, nasceu Helen Keller, talvez a surdocega mais conhecida mundialmente. Foi justamente pela história de Helen Keller e de sua educadora Anne Sullivan, retratada no filme O Milagre de Anne Sullivan, dirigido por Arthur Penn e lançado em 1962, que fui apresentada, ainda na infância, ao universo das pessoas surdocegas. De fato, meu contato com essa realidade se restringe, infelizmente, a filmes e documentários. Não posso deixar de notar o paradoxo dessa situação: que muitas pessoas, assim como eu, apenas conheçam a experiência da surdocegueira por meio do cinema, uma linguagem pouco ou nada acessível aos próprios surdocegos.  

Enquanto não tenho a oportunidade de ampliar meu conhecimento sobre o tema por outras vias, faço minha homenagem às pessoas surdocegas falando de um outro filme, mais recente e que fala de uma surdocega bem menos conhecida que Helen Keller, embora sua contemporânea. Trata-se de Marie Heurtin, surdocega de nascença, nascida em 1885, na França. O filme, que no Brasil teve seu título traduzido para A Linguagem do Coração, foi dirigido pelo também francês Jean-Pierre Améris e lançado em 2014. 

Além da grande delicadeza e respeito com que o diretor nos conta essa história, é preciso ressaltar também dois outros méritos do seu trabalho. Por uma exigência sua, todas as cópias do filme são legendadas, facilitando o acesso às pessoas surdas. Cópias com audiodescrição foram disponibilizadas para as salas que contam com o equipamento necessário.  Embora isso pareça uma atitude óbvia, ela não é frequente, mesmo em filmes que tratam do tema da surdez, como é o caso de A Família Bélier. Além disso, todas as personagens surdas são interpretadas por atrizes também surdas. A protagonista é interpretada por Ariana Rivoire, jovem surda que recebeu muitos elogios por essa que foi sua primeira atuação. 

No filme, Marie Heurtin, então adolescente, é levada por seus pais ao Instituto Notre Dame de Larnay, uma escola religiosa de educação de meninas surdas. Sob a alegação de que não tinham preparo para trabalhar com uma surdocega, Marie Heurtin é mandada de volta pra casa. No entanto, a jovem freira Marguerite, interpretada por Isabelle Carré, foi profundamente tocada pelo seu breve encontro com Marie e convence a madre superiora a permitir que ela tente educá-la. O que acontece depois, deixo pra vocês descobrirem assistindo ao filme. 

É interessante notar como as histórias de surdocegos retratadas nos filmes nos falam sempre de um encontro especial entre duas pessoas. Tanto a freira Marguerite como Anne Sullivan não se deixaram intimidar pela atitude “selvagem” de suas alunas. Ambas foram bem sucedidas porque puderam se colocar no lugar da outra, puderam tentar entender como esta percebia o mundo, valorizar suas potencialidades e, principalmente, acreditaram que havia ali uma pessoa pensante e desejante. Ao invés de um “animal arisco”, as duas viram nelas alguém ávido por se comunicar e por dar sentido ao mundo, ainda que com os poucos recursos sensoriais de que dispunham.



sábado, 28 de maio de 2016

QUAL A MEDIDA DA SURDEZ?

Embora esse texto comece com uma pergunta, não tem a pretensão de respondê-la, apenas de convidar à reflexão. Tramita no congresso um projeto que propõe a inclusão de surdos unilaterais na categoria deficiente. O Projeto de Lei 1361/15, do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), foi aprovado na câmara em dezembro de 2015 e encaminhado ao Senado, após aprovada a redação final, no dia 17 de maio de 2016, onde aguarda votação. No momento, o texto está submetido à consulta pública e você pode lê-lo na integra e opinar aqui.

Se aprovado, as pessoas com surdez unilateral de moderada a profunda passam a ter os mesmos direitos que os outros surdos, como, por exemplo, tornam-se elegíveis para preencher a cota de vagas para deficientes, tanto no âmbito público, quanto privado. Opiniões favoráveis e contrárias têm sido expressas e discutidas. A controvérsia parece girar em torno da garantia de equidade. Aqueles que são contrários ao projeto alegam que os surdos unilaterais não teriam dificuldades em participar de forma plena e efetiva na sociedade. Além disso, temem que os surdos bilaterais sejam preteridos nas seleções de emprego, uma vez que pouca ou nenhuma adaptação seria necessária, por parte das empresas, para incluir um funcionário surdo unilateral. Aqueles que são a favor, reconhecem as dificuldades sofridas por surdos unilaterais, além de citarem o fato de muitos serem reprovados em exames admissionais, justamente por conta da perda auditiva. Por esse motivo, afirmam, seria justo que os surdos unilaterais também fossem contemplados pelas políticas inclusivas.

Essa discussão é extremamente interessante, não apenas porque a decisão pode afetar a vida de muitas pessoas, mas porque nos coloca de frente com o dilema da definição de surdez. Em consonância com as definições internacionais, a legislação até então em vigor (Decreto 5.296/04) define a surdez como perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais, nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz. Essa seria uma definição sustentada exclusivamente em parâmetros orgânicos, definidos dentro do escopo da medicina.

Por outro lado, teóricos e membros da comunidade surda reivindicam que a surdez seja compreendida não como correlato direto da perda auditiva, mas como uma identidade linguística e cultural. Nesse sentido, os Surdos, assim escrito com letra maiúscula para diferenciar da definição médica, seriam identificados não pelos decibéis de menos, mas pelo uso de uma língua própria, por compartilharem de uma cultura e história próprias e, principalmente, pela experiência comum de exclusão enquanto minoria vivendo em um mundo pensado por e para ouvintes. 

Segundo essa ideia, a Surdez seria uma forma particular de ser e de compreender o mundo. Essa compreensão não localiza as dificuldades vividas pelos surdos na perda auditiva em si, mas em um contexto social não adaptado. Isso significa que, quanto mais inclusivo o meio, menores as barreiras que impedem os surdos de participar plenamente da sociedade. Essa visão é representada pela definição de deficiência estabelecida na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que diz: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” 
  
Porém, assim como para outros tipos de deficiência, têm-se encontrado muita dificuldade em traduzir essa compreensão em parâmetros objetivos, que sirvam de critério de inclusão em políticas afirmativas e para a concessão de benefícios. Como medir as dificuldades enfrentadas por cada pessoa na sua busca pela participação na sociedade? Como avaliar os danos subjetivos provocados por viver com uma diferença? Que outros fatores e espaços de pertencimento contribuem para a construção de uma auto-imagem positiva? Como materializar na definição de surdez a importância do meio no estabelecimento de barreiras? Esse é um grande desafio teórico e ético, que deve ser tratado com profundidade e respeito. De nada adiante dividir os surdos e criar um clima de disputa entre posições. Trata-se de encontrar meios para a construção de uma sociedade mais justa, o que se faz melhor quando feito com cuidado e com afeto.    



sábado, 30 de abril de 2016

JOGOS OLÍMPICOS, PARALÍMPICOS E SURDOLIMPÍADA

Estamos a menos de 100 dias das Olimpíadas do Rio, os primeiros jogos a serem disputados na América do Sul. A cerimônia de abertura será no dia 05 de agosto e está prevista a vinda de 10.500 atletas de 206 países. Em 17 dias, serão disputadas 306 medalhas, em 42 modalidades esportivas diferentes, incluindo golfe e rugby, que serão reincorporadas à competição nesta edição. Os primeiros jogos olímpicos da era moderna aconteceram em 1896, por iniciativa do Barão de Coubertin. Além de incentivar a prática de esportes, o evento celebra a integração entre os povos.

Já os Jogos Paralímpicos aconteceram pela primeira vez em 1960, em Roma. Porém, apenas em 1992, em Barcelona, passaram a ser realizados em parceria com os Jogos Olímpicos. Essa união deu mais força e visibilidade ao evento. Nos jogos do Rio, que começam em 07 de setembro, são esperados 4.350 atletas de 172 países. Nos 11 dias de competição, serão disputadas 528 medalhas, em 23 modalidades, também com duas estreias: canoagem e triatlo. Os surdos não participam das paralimpíadas, uma vez que, como vimos em outro texto, não necessitam de equipamentos ou condições adaptadas para a prática de esportes.   

Fonte: www.rio2016.com

Embora possam participar dos Jogos Olímpicos, os surdos têm uma olimpíada própria, a Surdolimpíada. Esse evento, que também acontece a cada quatro anos, é organizado pelo Comitê Internacional de Desportos para Surdos. Os primeiros jogos foram realizados em Paris, em 1924 e apenas deixaram de acontecer durante a Segunda Guerra. Desde 1949, são realizados também os jogos surdolímpicos de inverno. São elegíveis a participar, atletas que tenham uma perda de pelo menos 55 decibéis no melhor ouvido e que sejam oriundos de países membros do Comitê Internacional de Desportos para Surdos. Durante as competições, em busca de maior equidade, não é permitido o uso de aparelhos e implantes cocleares. Os maiores medalistas surdolímpicos são Terence Parkin, nadador sulafricano que obteve 33 medalhas, em cinco participações, e Cindy-lu Bailey, nadadora australiana com 29 medalhas em seis jogos.


Fonte: www.deaflympics.com

A primeira vez que o Brasil enviou representantes foi em 1993, em Sofia, na Bulgária. Participaram, nesta edição, dois nadadores, que disputaram 11 provas. A primeira medalha brasileira foi conquistada nos jogos de Taipei, em 2009, pelo atleta Alexandre Soares Fernandes, que ganhou bronze no judô. A maior delegação foi enviada para a última edição dos jogos, em 2013, também em Sofia, contando com 19 atletas e 08 dirigentes. Lá, os surdo-atletas conquistaram quatro medalhas. As próximas Surdolimpíadas acontecerão em 2017, entre 18 e 30 de julho, em Samsun, na Turquia, onde atletas de 109 países devem disputar 20 modalidades.

No Brasil, os desportos surdos são representados pela Confederação Brasileira de Desportos Surdos, criada em 1984. O mais importante evento internacional sediado no país foram os V Jogos Panamericanos de Surdos, em Praia Grande, em 2012. Há um trabalho constante para que os desportes surdos contem com maior apoio das autoridades e dos patrocinadores. Tanto para surdos, quanto para ouvintes, o esporte é um importante meio de inclusão social e as associações esportivas são espaços privilegiados de identificação, articulação política e conquista de direitos.

quinta-feira, 24 de março de 2016

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A LEITURA LABIAL

A leitura labial é também chamada de leitura orofacial ou LOF. Já falamos brevemente sobre ela aqui. Se você está se comunicando com um surdo usuário de língua de sinais e você não é fluente nessa língua, a leitura labial será um importante instrumento para que ele compreenda você. Mesmo o surdo implantado ou que tenha um bom ganho funcional com o aparelho, se beneficia da leitura labial para ajudar no entendimento da fala do outro. Aliás, em muitas situações, os ouvintes também usam a leitura labial como suporte à compreensão oral, mesmo que não o percebam. 

Ao longo da vida, a pessoa que ouve, pela associação repetitiva entre os sons e os movimentos dos lábios, vai, naturalmente, adquirindo alguma habilidade em fazer a LOF. Essa habilidade pode ser exacerbada no caso de uma perda progressiva de audição, quando a pessoa vai se apoiando cada vez mais na leitura labial para complementar sua escuta. A pessoa surda pré-lingual, no entanto, precisa de um treino específico e exaustivo para se tornar hábil na leitura labial, já que, nesse caso, a associação se dá diretamente entre os movimentos labiais e o conceito, sem o suporte da imagem acústica da palavra.

Usar a leitura labial como principal elemento de compreensão da linguagem oral exige muita habilidade e prática. Além de ser muito cansativa, pois demanda uma grande concentração, a LOF não garante a compreensão integral das mensagens. A precisão da leitura labial está atrelada a diversos fatores. Trago alguns deles em seguida: 

Fatores ambientais – distância, iluminação, posição e quantidade dos interlocutores, além da presença de obstáculos físicos podem dificultar ou favorecer a LOF.

Grau de familiaridade com o interlocutor – muitos surdos relatam que é mais fácil fazer a leitura dos lábios de uma pessoa com quem estão acostumados. 

Particularidades da articulação de cada um – algumas pessoas articulam os fonemas de forma mais marcada, facilitando a LOF. Outras vezes, elementos como bigode, barba e aparelho ortodôntico podem dificultar a compreensão. 

Dicas contextuais – muitos fonemas não são perceptíveis pela leitura labial, enquanto outros têm uma articulação idêntica. Assim, algumas palavras, tais como COMO e GOMO, PATO e BATO, BOLA e MOLA, não se diferenciam. As dicas contextuais ajudam o surdo a prever melhor as palavras que podem aparecer e a escolher entre duas ou mais possibilidades, quando a LOF dá margem a várias interpretações. Essa escolha também será facilitada por um maior vocabulário e acervo conceitual e por uma maior riqueza de experiências com a língua portuguesa.

Tamanho da palavra – ao contrário do que possa parecer, palavras mais longas são, em geral, mais facilmente compreendidas, já que oferecem mais elementos de identificação e diferenciação. 

Finalmente, vemos que, mesmo com as condições favoráveis, é possível que nem todas as informações sejam captadas pela leitura labial. Nem sempre é possível confiar apenas nela para garantir a compreensão. Sempre que possível, vale agregar outros recursos quando nos comunicamos oralmente com um surdo sinalizador ou mesmo com um surdo oralizado, mas que não tenha uma boa discriminação auditiva, mesmo com implante coclear e próteses. Além disso, não devemos tomar os possíveis mau entendidos como displicência ou má vontade do outro, mas sim reconhecer as dificuldades e o enorme esforço feito pelo surdo para realizar a LOF.   

Imagens de uso livre retiradas da internet


* Este texto foi modificado em 28 de outubro de 2016, a partir de contribuições valiosas de alguns surdos usuários da leitura labial. Agradeço a eles por isso. Para uma visão complementar sobre o assunto sugiro a leitura do texto Deficiência Auditiva, muito além da LIBRAS e do Implante Coclear, de Lak Lobato. 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

SURDEZ E PRÁTICA DE ESPORTES

As Olimpíadas e Paralimpíadas do Rio estão chegando! Logo, logo o país receberá os melhores atletas do mundo de diversas modalidades. Mas, não precisa ser atleta, nem ouvinte, pra praticar esportes! De um modo geral, não há nenhuma restrição à prática de atividade física que se deva diretamente à surdez, mas algumas adaptações e cuidados podem ser necessários. 

No caso dos esportes coletivos, é preciso encontrar uma forma de comunicação que permita a compreensão por todos os participantes. Do mesmo modo, nos esportes como corrida e natação, em que as largadas são sinalizadas por avisos sonoros, é preciso adaptar, substituindo-os, por exemplo, por sinais luminosos. Nos esportes de risco e esportes radicais, em que as instruções de alerta e segurança sejam passadas pela via sonora, também será necessário encontrar formas alternativas de fazê-lo. 

Nos esportes aquáticos, para aqueles que usam aparelho auditivo ou implante coclear, a regra geral é retirar o aparelho, ou componente externo do implante, durante a prática. Porém, alguns dispositivos já permitem o uso na água, enquanto outros contam com equipamentos de proteção que impedem que o aparelho entre em contato com a umidade e se danifique. Nesse caso, vale à pena conferir as recomendações e possibilidades de cada dispositivo.

Para os usuários de implante coclear, são necessários cuidados especiais para a prática de alguns esportes, especialmente aqueles que aumentam as chances de fortes pancadas na cabeça, as quais podem, a depender da localização e intensidade, danificar o componente interno. Então, se esse for o seu desejo, será preciso se orientar direitinho com a equipe do serviço em que você foi implantado*.

Algumas síndromes e condições que estão associadas à perda auditiva, como a Doença de Ménière por exemplo, também podem causar problemas de equilíbrio. Embora a atividade física seja recomendada na maior parte dos casos, é preciso escolher uma modalidade que não exponha o praticante ao risco de quedas e que não potencialize as dificuldades de equilíbrio. 

Finalmente, seja você surdo ou ouvinte, sempre que vamos começar a praticar uma atividade física, é preciso consultar um médico e checar suas condições de saúde. Além disso, é preciso respeitar os limites do nosso corpo, começando com uma intensidade moderada, que poderá ser aumentada a medida em que vamos adquirindo condicionamento físico. Se a prática for ao ar livre, lembre-se de se proteger do sol, com roupas adequadas e uso de protetor solar. Lembre-se também de beber muita água e de se alimentar bem.   

Se você ainda se sente inseguro, procure se comunicar com outros surdos que praticam esportes e saber como eles resolveram os possíveis desafios de cada modalidade. Você também pode entrar em contato com as diversas associações e grupos de esportistas surdos.  Agora é só escolher a modalidade que mais lhe agrada, certificar-se de que adotou as medidas necessárias para que o esporte escolhido seja praticado de forma segura e de que seja prazeroso. Faz bem pro corpo e pra mente. 

Imagens retiradas da internet
* Para mais informações sobre a prática de esportes por implantados, vejam esses dois posts de Lak Lobato:
Praticando esporte com o Implante Coclear
Usando (ou não) o implante coclear na praia ou na piscina





sábado, 30 de janeiro de 2016

1001 JEITOS DE SER SURDO

Discute-se bastante sobre as diferenças entre surdos e ouvintes. Isso é importante, sem dúvida, para que as necessidades de cada um desses grupos sejam atendidas e seus direitos, respeitados. Pois bem, é preciso também falarmos sobre as diferenças entre surdos e surdos, ou seja, chamar atenção para a enorme variedade de pessoas diferentes que se agrupam sob o termo surdo. Cada vez mais, dizer que alguém é surdo nos diz menos sobre quem é essa pessoa. 

Pra começo de conversa, há surdos pré-linguais e pós-linguais, como já trouxemos aqui; há surdos uni-laterais e bilaterais; há os que tenham surdez leve, moderada, severa ou profunda; há surdos que falam, falam muito, sejam implantados ou não; há surdos sinalizadores, ou seja, usuários de línguas de sinais; há surdos bilíngues, ou mesmo poliglotas; há surdos que leem e escrevem, há surdos que não; há surdos que são os únicos em suas famílias e há famílias em que a surdez é um traço de pertencimento; há surdos temporários e há surdos permanentes; há surdos que também são cegos... e há, ainda, todas as combinações possíveis entre esses e outros aspectos. Cada uma dessas pessoas tem características auditivas e de linguagem próprias, que vão marcar sua relação com o mundo. Mas isso não é tudo. 

Além desses, inúmeros outros aspectos identitários se agregam para definir quem somos, ou, pelo menos, quem estamos. É certo que ser ou estar surdo, de qualquer forma que seja, tem um efeito sobre a vida das pessoas e daqueles que as rodeiam. Não se pode menosprezar a importância e interferência que a experiência da surdez, em um contexto majoritariamente ouvinte, exerce sobre o cotidiano de cada surdo. Porém,  ninguém e apenas surdo. Todos são também mulheres ou homens ou têm outra identidade de gênero; alguns são crianças, outros estão velhos; todos têm ou terão uma orientação sexual, tenha ela uma definição ou não; todos têm uma nacionalidade e alguns têm mesmo mais de uma; muitos têm uma religião, outros têm suas crenças, mesmo sem se identificar a um grupo religioso específico; muitos são Bahia, outros são Vitória; são estudantes, trabalhadores, desempregados, gostam de dançar, sabem nadar, adoram gatos, têm medo de avião... 

Foi-se o tempo em que um diagnóstico de surdez definia um futuro único, predeterminado e limitado. Porém, a bem vinda liberdade que isso possibilita traz também um grande desafio, que é equalizar, tanto nas políticas públicas quantos em nossas práticas cotidianas, a aparente contradição entre o reconhecimento da diversidade e a certeza de que todos somos iguais, ainda que diferentes.