* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

SURDEZ E CUIDADOS COM A SAÚDE

Ainda que a surdez possa estar associada a outras condições médicas, como em algumas síndromes, ou infecções virais, por exemplo, ela não traz com ela nenhuma doença, fragilidade ou problema de saúde, de qualquer natureza. No entanto, você sabia que crianças e adultos surdos, especialmente surdos pré-linguais, podem estar mais expostos a acidentes e problemas de saúde, por conta dos entraves da comunicação? 

Hauser e colaboradores, em artigo escrito em 2010, relatam estudos que mostram que as crianças surdas estão mais expostas a acidentes e machucados. Segundo os autores, isso deve estar associado ao fato de os filhos geralmente serem alertados pelos pais sobre perigos e ensinados sobre como e de que se proteger de modo oral. A informação sobre lugares e situações perigosas circula entre as crianças e pessoas próximas eminentemente de modo oral, seja diretamente, seja ouvindo conversas de terceiros.

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Surdos também apresentaram dificuldade em se familiarizar com a história médica da família, conhecimento importante para os cuidados com a própria saúde. Saber daquela tia que teve câncer de mama, ou do avô que faleceu de problema cardíaco, ou daquela prima que tem diabetes, todas essas são informações que nos ajudam a conhecer nossas heranças genéticas e a nos prevenir. Acontece que essas histórias são comentadas, em geral, informalmente, em conversas familiares. 

Os autores citam também vários estudos que demonstram um elevado desconhecimento das pessoas surdas com relação a sintomas de doenças e cuidados com a saúde, quando comparados com adultos ouvintes. Eles supõem que grande parte deste conhecimento é adquirida de modo incidental e informal, nas conversas cotidianas. Cabe lembrar que cerca de 95% das crianças surdas nasce em famílias de ouvintes, muitas delas com pouco ou nenhum contato prévio com surdos. Estas famílias costumam organizar suas trocas cotidianas essencialmente de modo oral.

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Isso significa que toda uma série de conceitos, comportamentos, posturas, cuidados, que são transmitidos entre as pessoas de modo espontâneo, ou pelo que chamamos de aprendizagem incidental, precisa ser ensinada aos surdos de forma sistemática. Essa é uma compreensão difícil para os pais, já que a maioria deles viveu uma experiência amplamente sustentada nas trocas orais. No entanto, é importante que a família se ocupe disso de forma consciente. E se você é surdo, fique atento, pergunte, procure informações e se intere sobre a história médica da sua família. 

Do mesmo modo, os profissionais de saúde devem garantir que toda informação e orientação seja compreendida integralmente pelo surdo nas situações de atendimentos clínicos, de realização de exames e de prescrição de remédios e tratamentos. É importante ainda que a acessibilidade às informações e serviços médicos pelo surdo seja objeto de políticas específicas de saúde, com campanhas que contemplem todas as diferenças linguísticas.

Referência: 
HAUSER, P.C.; O´HEARN, A.; MCKEE, M.; STEIDER, A.; THEW, D. Deaf epistemology: deafhood and deafness. American Annals of the Deaf, v. 154, n. 5, 2010.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

OLIVER SACKS, COMPANHEIRO DE VIAGEM AO MUNDO DOS SURDOS

Oliver Sacks, neurologista britânico, atingiu uma fama pouco comum para um cientista, embora talvez proporcional ao seu empenho em tornar a ciência e o conhecimento acessíveis a todos. Escritor de diversos livros, alguns transformados em filme como Tempo de Despertar e À Primeira Vista, Oliver Sacks tem uma escrita envolvente e que revela a cada linha seu enorme respeito pelo outro e curiosidade insaciável pelo mundo.

Infelizmente, há pouco menos de dois meses (30/08/2015), ele faleceu em consequência de um câncer. Oliver Sacks escreveu até seus últimos dias, sua autobiografia intitulada Sempre em Movimento – Uma Vida, lançada esse ano, vale à pena ser lida. Porém, é sobre um livro de 1989 que eu gostaria de comentar neste texto, que pretende ser uma homenagem. Em Vendo Vozes, uma Viagem ao Mundo dos Surdos (título original Seeing voices: A journey into the land of the deaf), Oliver Sacks relata, de forma ao mesmo tempo implicada e com rigor científico, seu primeiro contato com a realidade dos surdos. 

Para o autor, essa realidade, até então pouco conhecida e marcada por estereótipos, chega por meio de um livro: When the mind hears: a history of the deaf, de Harlan Lane. Oliver Sacks não se contenta, contudo, em olhar de longe esse novo mundo que então se apresenta, mas parte, como um viajante que explora uma paisagem desconhecida, a questionar um a um os mitos que comumente povoam o imaginário social sobre a surdez e os surdos. É isso que faz desse livro, considerando-se o viés histórico, afinal, foi escrito a mais de 25 anos, uma leitura de fundamental interesse e importância para surdos e ouvintes, profissionais e familiares, leigos e pesquisadores. 


No primeiro capítulo, o autor refaz uma parte da história da surdez, por meio de relatos recolhidos na literatura sobre a vivência de alguns surdos. No segundo capítulo, ele demonstra a importância do acesso à linguagem e explora as especificidades neurológicas do uso das línguas de sinais. No último capítulo, como um bônus, Oliver Sacks faz um relato apaixonado, ainda que lúcido, sobre a greve dos estudantes da Universidade Gallaudet, em 1988. Neste episódio histórico, os alunos da então única universidade dedicada à educação de surdos, por ocasião da escolha do novo presidente, exigiram e garantiram a eleição pelo conselho de um presidente surdo. 

Vendo Vozes, uma Viagem ao Mundo dos Surdos é uma leitura que recomendo fortemente, afinal, é um prazer ter Oliver Sacks como companheiro de viagem, com sua sensibilidade e generosidade. Essa pode ser, para aqueles que não o conhecem, uma porta de entrada no mundo de Oliver Sacks, um mundo cheio de histórias fantásticas, porque absolutamente humano.