* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

EM TERRA DE CEGO...

“Em terra de cego, quem tem um olho é rei.” Esse é um famoso provérbio popular, que significa que, mesmo quando se tem pouco, em um contexto onde todos os demais têm ainda menos, você está em vantagem. É claro que o provérbio se baseia em uma metáfora e não deve ser tomado ao pé da letra, mas será que essa metáfora se sustentaria se pudéssemos realmente viver a experiência de ser o único a enxergar em um mundo de cegos?

H. G. Wells, no seu conto de 1904 The country of the blinds, traduzido em português como Em Terra de Cego, retrata exatamente esta situação. O conto se passa em um lugar imaginário que teria sido isolado do resto do mundo após a erupção de um vulcão e no qual, por uma condição genética predominante, toda a população acabou por ser composta unicamente por cegos. Após várias gerações de isolamento, um homem chega por acaso a esse lugar e então as situações mais inesperadas acontecem. Paro por aqui pra não entregar o final da história, cuja leitura recomendo e que pode ser facilmente encontrada na internet.

Para mim, esse conto mostra o quanto é difícil pensar o mundo a partir de outros parâmetros, o quanto assumimos que o nosso jeito de pensar, de ver, de escutar é o melhor, se não o único jeito possível. Nem todos podemos contar com a capacidade de imaginação de um escritor como H. G. Wells. Para a maioria de nós, pensar o mundo a partir de um outro ponto de vista é um exercício extremamente difícil.

Porém, algumas vezes nos vemos em situações que nos ajudam a compreender um pouco do que é viver em um mundo que não foi pensado pra nós. Pense no quanto podemos nos sentir dependentes quando precisamos imobilizar um braço ou uma perna. Pense no quanto é difícil resolver problemas simples quando estamos em um país onde não conhecemos o idioma. Pense no quanto podemos nos sentir incapazes quando nos deparamos com uma nova tecnologia e que todos, menos nós, parecem usar com facilidade. É claro que isso não é o mesmo que viver toda a vida tendo que lidar com dificuldades semelhantes a essas, mas esses breves momentos podem nos sensibilizar a todos para a existência de diferentes jeitos de ser.

Mais do que isso, o que essas experiências e o conto de H. G. Wells deveriam nos ajudar a compreender é que a deficiência, a limitação, a incapacidade são determinadas pelo contexto. É o meio que é incapacidade, não a surdez, a cegueira, a paralisia. É a forma de ensinar inadequada que limita a aprendizagem do surdo. É a falta de rampas que restringe o deslocamento do cadeirante. É o pensamento intolerante que exclui o diferente e não a sua diferença. Quando compreendemos isso, ampliamos nosso jeito de ver e pensar o mundo e passamos não mais a desejar ser aquele que tem um olho em terra de cego, mas a desejar e a nos empenhar na construção de uma terra que seja de todos. Em uma terra assim, um rei seria ainda necessário?





Herbert George Wells, em 1943.
Fonte: Wikipédia

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